Eclesiastes
3
“Precisamos ler a Bíblia ou não entenderemos
psicologia. Nossa psicologia, nossas vidas, nossa linguagem e imagens foram
construídas sobre a Bíblia” – JUNG, apud EDINGER, Bíblia e psique, p. 156.
“Quando uso, por exemplo, conhecimentos
históricos ou teologicos, não são mais considerados sob o ângulo da verdade
filosófica ou religiosa, mas examinados, no sentido de apurar o que comportam
de significação e de fundamentos psicológicos” - JUNG, C. G. Memórias, sonhos e
reflexões. p. 302.
Devo deixar que fale minha subjetividade
emocional, dizendo aquilo que sinto quando leio determinados livros da Sagrada
Escritura ou me recordo de certas impressões que recebi dos ensinamentos de
nossa fé – JUNG, Resposta a Jó, § 559.
“O caminho da vida só continua onde está o
fluxo natural. Mas nenhuma energia é produzida onde não houver tensão entre
contrários; por isso, é preciso encontrar o oposto da atitude consciente. É
interessante verificar como essa compensação dos opostos também teve sua função
na história da teoria da neurose: a teoria de Freud representa Eros; a de
Adler, o poder. Pela lógica, o contrário do amor é o ódio; o contrário de Eros,
Phobos (o medo). Mas, psicologicamente é a vontade de poder. Onde impera o
amor, não existe vontade de poder; e onde o poder tem precedência, aí falta o
amor. Um é a sombra do outro. Quem se encontrar do ponto de vista de Eros
procura o contrário, que o compensa, na vontade de poder. Mas quem põe a tônica
no poder, compensa-o com Eros. Visto do ponto de vista unilateral da atitude
consciente, a sombra é uma parte inferior da personalidade. Por isso, é
reprimida, devido a uma intensa resistência. Mas o que é reprimido tem que se
tornar consciente para que se produza a tensão entre os contrários, sem o que a
continuação do movimento é impossível. A consciência está em cima, digamos
assim, e a sombra embaixo. E como o que está em cima sempre tende para baixo, e
o quente para o frio, assim todo consciente procura, talvez sem perceber, o seu
oposto inconsciente, sem o qual está condenado à estagnação, à obstrução, ou à
petrificação. É no oposto que se acende a chama da vida” – JUNG, C. G.
Psicologia do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 45-46.
Assim vejo o texto de Eclesiastes 3: vivemos
sob forte tensão de opostos da atitude consciente; mas, são opostos que se
complementam – é a experiência constante do vice-versa, e isto se faz através
da capacidade de simbolização que todos nós temos: se há nascimento, então é
preciso tomar consciência da morte; se algo foi plantado, algo precisa ser
arrancado; se algo morreu, o que é que precisa ser curado; se algo foi
destruído, então o inconsciente elabora a construção de algo novo; se você está
chorando, o sorriso vai chegar; se há tristeza, é para você pular de alegria
depois que as coisas melhorarem; se é preciso jogar fora, não pense em
acumular, mas se é preciso guardar, não jogue fora; etc.
Há tempo para: cuidado, medo, dúvida, força,
ternura, espanto, alegria, encanto, surpresa, determinação, espera, dedicação,
ruptura.
Susto pela visita do inesperado. Só uma
certeza: acabou!
A vida adquire uma face que parecia não
existia.
A vida pode ter uma face ruim, por que ela
possui uma face boa.
É o tempo de gestar e parir o lado desimportante
da vida.
Quantas vezes temos visões que nunca se
transformaram em realidade?
Quantas fantasias passam por nossas cabeças
e só têm como consequência provocar emoções?
Quantas intuições negativas não são
confirmadas?
O que foi – irremediavelmente, irreparavelmente,
insuportavelmente - separado, perdido, colhido, destruído, lamentado, ficou
triste, desconstruído, abandonado, perdido, jogado fora, rasgado, calado,
odiado, armado?
Olhamos para algo e queremos que não exista.
Não há consolo que consola. Nada distrai.
Não há alívio fácil. Não existe ajuda que nos faça esquecer. Só precisa-se
encontrar algum sentido para o quê aconteceu.
E, quando um desejo que quase nunca é
atendido, é atendido?
Desejos que não eram para serem cumpridos,
mas se cumprem?
A tarefa é então buscar, encontrar algum
sentido para o que se perdeu.
Mas, qual o sentido? Do que aconteceu? Não!
De estar em paz para continuar vivendo, sem
o que não existe mais.
Caminhar em direção ao sentido, e não ao
nada, ao vazio.
Às vezes, não é possível encontrar o caminho
sozinho, por isso precisamos do outro.
Não, o outro não substituirá, mas poderá nos
levar a ver que algo está além, para continuar a ser o que é, não para
permanecer, mas transformar.
O sentido está em dar um novo formato e
conteúdo às experiências que nos lançam no vazio. Não há substitutos. Não é
possível fazer trocas. Trocar não é alcançar, buscar ou encontrar sentido,
porque o que perdeu é uma realidade em si, e nada nem ninguém é suficiente para
anular a ausência.
O tempo é a forma da vida apresentar-nos
seus mistérios, alguns se revelam, outros conseguimos entender, mas tudo
permanece um mistério. Até o que é bom, é mistério.
Há coisas que podem ser mudadas, outras não,
mas podemos aceitar, porque são maiores e imutáveis.
Isto é verdade, porque o tempo nos faz olhar
dentro. O tempo é a vivencia interna, e às vezes esta é tão ou mais intensa que
a externa, e às vezes são tão ou mais intensas.
O sentido é adquirido quando a vida adquire
o senso do divisor de águas. Quando as referências e as buscas se transformam
profundamente a partir dos acontecimentos.
É ser uma pessoa sem abraço, cuidado, força,
ternura, alegria, encanto, surpresa, determinação, dedicação – mas, que busca
solucionar esse enigma que chamamos tempo.
Ambigüidades, mas que precisamos
integrá-las. É preciso precaução com a fantasia da onipotência; tomar
consciência das fragilidades, impotências e desamparos inerentes à condição
humana, que há limites e por isso tudo pode ser perdoado. Em nada somos prediletos
para sermos poupados ou exigirmos que sejamos poupados do que precisa acabar.