segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Perigos da religião (2)

Outro perigo que a religião oferece aos fiéis é o do fundamentalismo. O fundamentalismo oferece uma crença estática, que não se desenvolve, que é oferecida por autoridades externas ao indivíduo, e não como fruto de sua experiência pessoal. Entretanto, segundo Jung, para algumas pessoas a estrutura de uma igreja pode ser um recipiente psíquico adequado, "Na tentativa justificada, aliás, e não raro bem sucedida, depois de adquirirem uma nova compreensão do sentido profundo das verdades tradicionais de salvação. Esta solução é normal e satisfatória, na medida em que as verdades dogmáticas fundamentais formuladas pela Igreja cristã exprimem de modo quase perfeito a natureza da experiência interior. O conhecimento dos mistérios da alma que essas verdades contém é dos mais profundos e é representado por grandes imagens simbólicas. O inconsciente tem, portanto, uma afinidade natural com o conteúdo espiritual da Igreja, sobretudo no que diz respeito à sua forma dogmática, que deve seu aspecto atual às seculares disputas dogmáticas - que tão absurdas parecem ao mundo de épocas posteriores - sendo fruto do esforço apaixonado de muitos grandes homens. Logo, a Igreja ofereceria uma possibilidade ideal àquele que busca dar forma ao caos do inconsciente, se toda obra humana, mesmo a mais refinada, não ficasse incompleta. Acontece que a volta a uma confissão religião não é a regra. O que se observa com muito maior frequência é uma compreensão melhor da religião em geral e uma relação mais interior com ela, o que nada tem a ver com a adesão a uma confissão religiosa. Acredito que isso é devido essencialmente ao fato de que, se alguém chega a reconhecer a legitimidade de ambos os pontos de vista, ou seja, dos pontos de vista de ambos os ramos em que se divide o cristianismo, não lhe é possível declarar a validade exclusiva de um deles em detrimento do outro, a não ser que se traia a si mesmo. Como cristão, é necessário que reconheça que pertence a uma cristandade dividida há 400 anos e que a sua fé cristã não o redime, mas muito pelo contrário, o lança no mesmo conflito e na mesma divisão de que padece o corpus Christi. Estes são os fatos. Eles não podem ser mudados pela simples pressão das Igrejas, para que se opte por uma delas, como se estivesse firmemente estabelecido que cada uma detivesse a verdade absoluta. Uma tal tomada de posição já não está de acordo com o homem moderno: ele é capaz de ver no que o protestantismo é superior ao catolicismo e vice-versa. Percebe a dolorosa evidência da pressão das Igrejas sobre ele, para que se comprometa com uma unilateralidade contrária a um saber superior. Isto é, percebe que querem forçá-lo a cometer um pecado contra o Espírito Santo. E até compreende por que as Igrejas são obrigadas a agirem dessa maneira. Sabe que tem que ser assim, para que nenhum dos cristãos festivos imagine que já esteja redimido, tranquilizado e liberto de toda angústia e possa repousar desde já no seio de Abraão. A paixão de Cristo continua, pois a vida do Cristo no corpo místico, ou seja, a vida cristã de um lado como do outro, está dividida dentro de si mesma. Quem quiser ser honesto não pode negar esta divisão. Encontramo-nos, portanto, exatamente na mesma situação do neurótico obrigado a reconhecer que está num doloroso conflito consigo mesmo. Suas reiteradas tentativas de simplesmente reprimir o outro lado apenas conseguiram agravar sua neurose. O médico deve aconselhá-lo, portanto, a primeiro aceitar o conflito, juntamente com o sofrimento que o mesmo acarreta inevitavelmente. De outra forma o conflito jamais poderá ser solucionado. Os europeus esclarecidos (pelo menos os que se interessam pelo problema) são conscientes ou meio inconscientemente católico-protestantes ou protestante-católicos. E não são os piores! Não me venham com a conversa de que isso não existe. Conheço-os a ambos; e eles vieram fortalecer a minha esperança no europeu do futuro” (Ab-reação, análise dos sonhos, transferência. 2ª Edição. Petrópolis, Vozes, 1990, pp. 60-61. Obras Completas V. 16/2, par. 390-392). Para enfrentar a autoridade dogmática exterior ao indivíduo, Jung opina de que o mesmo precisa ter uma ego fortalecido, para confortar-se em caso de quebrar alguma regra estabelecida, e não temer o castigo eterno, mas criar suas próprias estruturas psíquicas fora da comunidade religiosa. A tentativa de um caminho espiritual pessoal, não é possível para todos.

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