terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Onde estava Deus diante de tanta beleza do mundo?

(Gravura feita por Jung publicada no Livro Vermelho. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 64) 

A experiência que funda a concepção de Jung acerca da religião, é registrada:
“Num belo dia de verão do mesmo ano (1887), voltando do colégio ao meio-dia, passei pela praça da catedral (Basileia). O céu estava maravilhosamente azul, o sol brilhava em toda a sua luminosidade. O teto da catedral cintilava ao sol que acendia chispas nas telhas novas e brilhantes. Sentia-me deslumbrado pela beleza desse espetáculo e pensava: “O mundo é belo, a igreja é bela, e Deus, que criou tudo isso, está sentado lá no alto, no céu azul, num trono de ouro...” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.45).

Jung aos doze anos de idade, considerou a distância do “Bom Deus”, como ele declara, como o mais grave dos pecados contra O próprio, pois não vivenciava as belezas do mundo real, banhado pela luz do sol, aquecido pelo seu calor, cercado por um azul celestial.
Três dias mais tarde, desesperado pela experiência mística e temendo causar “grande tristeza aos pais” (pai pastor luterano e mãe religiosa – “eles são bondosos”), Jung entrega-se à experiência crendo: “Deus sabe que não posso resistir mais tempo e não acorre para me ajudar, vendo que estou a ponto de sucumbir ao pecado para o qual não há perdão. Dada Sua Onipotência, ser-LHE-ia fácil livrar-me desta coação. Mas Ele nada faz. Estaria pondo à prova minha obediência obrigando-me a fazer algo que me revolta no mais extremo grau, no temor da danação eterna? Na verdade, estava sendo levado a pecar contra meu próprio julgamento moral, contra os ensinamentos da religião e mesmo contra Seu próprio mandamento. Talvez Ele estivesse querendo ver se eu obedeceria à Sua vontade, ainda que minha fé e minha inteligência me fizessem temer o Inferno e a danação. Podia ser! Mas estas ideias são minhas e posso me enganar. Como aventurar-me, confiando em minhas próprias reflexões? Preciso pensar tudo de novo! Cheguei à mesma conclusão: “Deus, evidentemente, está pondo à prova a minha coragem”, pensei: “Se for assim e eu triunfar, Ele me dará Sua graça e Sua luz” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.47).
Nenhuma profissão de fé se compara a esta! Declaração pessoal de uma experiência semelhante aos que creem sinceramente, e se entregam à Graça divina.
Resultado?

“Reuni toda a coragem, como se fosse saltar nas chamas do inferno e deixei o pensamento emergir: diante de meus olhos ergue-se a bela catedral e, em cima, o céu azul. Deus está sentado em seu trono de ouro, muito alto acima do mundo e, debaixo do trono, um enorme excremento cai sobre o teto novo e colorido da igreja; este se despedaça e os muros desabam. Então era isto! Senti um alívio imenso e uma libertação indescritível: em lugar da danação esperada, a graça descera sobre mim e com ela uma felicidade indizível, como jamais conhecera! Chorei lágrimas de felicidade e de gratidão, porque a sabedoria e a bondade de Deus me haviam sido reveladas, depois de me haverem sujeitado a seu impiedoso rigor. Fora como uma iluminação” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.47).
Estamos dispostos a passar por uma experiência semelhante?
É necessário "coragem e deixar o pensamento emergir"!
A imagem que seguir não tem a mínima importância!
A graça de Deus é maior do que qualquer danação que a fraqueza humana pode levar-nos a crer, ainda que piedosamente.
A "felicidade indizível" é uma experiência possível! É como se fosse Deus se "encarnasse" no homem! E, é justamente isto que Jung explica:
"A imagem de Deus não coincide propriamente com o inconsciente em si, mas com um conteúdo particular deste última, isto é, com o arquétipo do Si-mesmo. Este último já não podemos separar, empiricamente, da imagem de Deus. É possível postular arbitrariamente uma diferença entre estas duas grandezas, mas isto de pouco adiantará; ao contrário, só contribuirá para separar o homem de Deus, impedindo, com isto, a encarnação de Deus. A fé tem razão, quando faz o homem ver e sentir no mais profundo de si mesmo a imensidão e inacessibilidade de Deus; mas ela também nos ensina a proximidade, e mesmo a imediata presença de Deus. É precisamente esta proximidade que deve ser empírica, se não quisermos que ela seja inteiramente desprovida de importância. Só posso conhecer como verdadeiro aquilo que atua em mim. Mas o que não atua em mim pode também não existir. A necessidade religiosa reclama a totalidade, e é por isso que se apodera das imagens da totalidade oferecidas pelo inconsciente, que emergem das profundezas da natureza psíquica independentemente da ação da consciência" (Resposta a Jó. Petrópolis: Vozes, 1986, pp. 111-112. Obras Completas V. 11/4, par. 757).

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